E o pequeno rapaz, que já não era pequeno há muitos anos, chegando junto do balcão, perguntava, incrédulo:
- Mas é mesmo verdade? A sério?
Os olhos arregalados evidenciavam o espanto de quem não queria acreditar, ou jamais vira tal coisa. Assunto sério, de elevada moralidade, recheado de novidade, assombrava-lhe a alma neste breve instante, de frente para o espelho que reflectia todo o peso deste menino, já pouco novo.
- Não pode ser! Só pode ser engano. Ninguém faz isso só por fazer. - repetia, vezes sem fim, à sua imagem oposta na parede que segurava o seu reflexo.
- Os meninos não crescem! Os meninos pequenos, ficam pequenos para sempre! Quem és tu, que mexes os meus lábios e piscas os meus olhos e abanas as minhas mãos e vestes as minhas roupas?
Aos poucos, as suas perguntas abafadas e feitas de si para si, tornavam-se gritos, em crescendo de emoção e lágrimas em torrentes.
- Quem? Quem? - questionava de braços no ar - Quem és tu que me tomaste e apoderaste do meu corpo? Quem, demónio sujo que de mim levaste o meu ser? Vai-te e leva-me contigo, mas deixa-me a alma que me pertence!
Os meninos pequenos não ficam crescidos. Nem os espelhos devolvem os pequenos meninos.
Levam tudo e devoram almas, em raios foscos, invisíveis, de tentação.
Os meninos pequenos não ficam crescidos. Nem os crescidos meninos foram já pequenos.